O médico Cleudson Garcia Montali, réu em dois processos sobre crimes de organização criminosa, peculato e lavagem de dinheiro, negou que a fazenda avaliada em aproximadamente R$ 7 milhões, em Aparecida do Taboado (MS), seja dele.
Alvo de mandado de busca na Operação Raio X, a propriedade foi bloqueada pela Justiça e teve mais de 400 cabeças de gado apreendida. O rebanho está avaliado em mais de R$ 1,5 milhão.
Em depoimento na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Quarteirização, na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo), Cleudson assumiu a propriedade dos animais apreendidos.
Ele alegou que não é dono da fazenda e disse que a arrendava sem custo algum, com o compromisso de dividir o lucro obtido com o gado com proprietário das terras.
Contratos
O questionamento sobre a fazenda feito pelo deputado Sérgio Victor (Novo) durante o depoimento à CPI. A ele, Cleudson informou que a propriedade pertence a Adriana Michels Ferreira, responsável pela empresa Adriana Michels Consultoria em Gestão Empresarial.
De acordo com o médico, as empresas de Adriana realizava processo seletivo e compliance, que seria cuidar da imagem do negócio, serviços esses que seriam prestados em Carapicuíba e no Hospital Regional Dr. Abelardo Santos, em Belém (PA).
Sem sentido
As declarações de Cleudson fizeram o parlamentar questioná-lo sobre essa negociaçaõ com a suposta dona da fazenda.
"Eu tô tentando ver se faz sentido: o bem não é seu, mas você não paga nada para arrendar uma fazenda de R$ 7 milhões?”
, questionou o deputado.
Cleudson argumentou que apesar de não pagar pelo arrendamento, ele matinha funcionário na propriedade para cuidar do gado e da fazenda e daria à proprietária, parte do lucro obtido com os animais futuramente.
“Eu tinha 400 novilhas lá, isso gera uma renda no final e existia uma programação de que ela iria ter uma renda disso daí”,
concluiu.
Provas
Apesar da versão apresentada por Cleudson, a investigação concluiu que a propriedade bloqueada pertence a ele, inclusive há imagens de câmeras de monitoramento referentes à negociação da propriedade.
Além disso, ouvido em depoimento, o corretor que intermediou a negociação com o antigo proprietário declarou ter negociado diretamente com o médico e recebido das mãos dele o pagamento da corretagem pela venda.
Laranja
A reportagem confirmou que a fazenda está registrada em nome de Adriana, presa durante a Operação Raio X. Ela responde a processo por organização criminosa e lavagem de dinheiro na Justiça de Birigui.
Para a investigação, a propriedade foi adquirida por Cleudson com dinheiro dos contratos fraudulentos ou superfaturados e registrada em nome de Adriana, que foi utilizada como
“laranja”
para tentar ocultar os valores obtidos ilicitamente pela organização.
Negociação
A reportagem teve acesso a documentos que apontam que a compra da fazenda foi acertada em um shopping em Fernandópolis, em 30 de outubro de 2019. Segundo a investigação, nesse shopping os corretores se encontraram com Cleudson e apresentaram a documentação referente ao negócio.
Na ocasião o médico estava acompanhado de Osvaldo Ramiro Alexandre e Sérgio Kiyoshi Takahashi Harada, que também foram presos na operação e são réus em processo.
No dia seguinte, Cleudson, Márcio Tizura, Osvaldo Ramiro e Sérgio Kyioshi se encontram em Taquaritinga pagaram a primeira parcela ao vendedor, no valor de R$ 1 milhão.
A propriedade à beira do rio Paraná teria sido adquirida de
“porteira fechada”
. Com 232 hectares de área, ela teria um rebanho de carneiros e as novilhas que foram apreendidas.
Pará
O dinheiro usado no pagamento da propriedade, segundo a investigação, teria vindo principalmente dos contratos fechados pelas OSSs (Organizações Sociais de Saúde) no Estado do Pará.
Em junho daquele ano foi interceptada conversa telefônica entre Cleudson e o advogado Luciano Abreu de Oliveira, que está foragido, na qual o médico comenta que o contrato de Belém era o projeto da vida deles. Ainda segundo a investigação, esses contratos somariam R$ 30 milhões mensais.
Transferências
A reportagem apurou que a empresa de Adriana, que seria dona da fazenda, segundo Cleudson, foi criada em 19 de agosto de 2019. Entre o começo de outubro daquele ano e o início de janeiro de 2020, essa empresa recebeu R$ 8,344 milhões, transferidos pela Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Pacaembu.
Os repasses foram apontados pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e, desse total, pouco mais de R$ 7 milhões foram repassados pela matriz da OSS e o restante pela unidade de Belém (PA).
Ainda de acordo com a investigação, R$ 4 milhões foram transferidos pela empresa ao antigo proprietário da fazenda e outros R$ 2 milhões foram repassados a uma empresa pertencente a Nicolas André Tsontakis Morais, que também foi preso, apontado como responsável pelos contratos da OSS no Pará.
Documentos apreendidos pela polícia durante a investigação apontam que Régis Soares Pauletti era o responsável por pagar as despesas da fazenda, inclusive a escritura. Ele também está preso, acusado de ser o operador financeiro das OSSs investigadas.