O deputado estadual Roque Barbiere, o Roquinho (PTB), e os prefeitos Cristiano Salmeirão (PTB) e Célio de Oliveira (sem partido), das cidades de Birigui e Penápolis, respectivamente, estão em inquérito policial que apura a eventual prática de crimes de organização criminosa, peculato e lavagem de dinheiro, com possível desvio de verba pública de saúde, por meio de contratos de gestão firmados por OS (organizações sociais).
No entanto, na semana passada, decisão do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) autorizou o desmembramento do processo, concedendo foro privilegiado aos três por ocuparem cargos públicos. Com a decisão, os três serão investigados pelo TJ-SP e não pelos órgãos locais, como ocorre com os demais suspeitos. O pedido de segredo de Justiça no processo, feito por Roquinho, ainda será analisado.
Conforme relatório do desembargador Ademir Benedito, a investigação teve início com cumprimentos de mandados de prisão e de busca e apreensão em setembro do ano passado, quando foram localizados e apreendidos uma arma de fogo, veículos e R$ 179 mil em dinheiro embalado num guardanapo de seda escrito “P. de O.”, além de documentos, “pen drives” e aparelhos de telefones celulares.
“Em uma análise inicial desses documentos apreendidos, revelou-se indícios de possível desvio de dinheiro da saúde pública, através de contratos de gestão firmados principalmente pelas organizações sociais de saúde I. da S. C. de M. de B. e A. da I. da S. C. de M. de P. (Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Birigui e Penápolis), além da identificação de pessoas e nomes que aparecem em anotações manuscritas, relacionadas a possíveis práticas criminosas, pois trazem “valores e nomes de pessoas, que possivelmente são os destinatários do dinheiro””, cita o desembargador.
Para desembargador, documentos e depoimentos revelam indícios suficientes para a investigação também das autoridades. Na foto, materiais apreendidos em operação ocorrida em fevereiro deste ano em sede de OS de Birigui (Foto: Lázaro Jr./Hojemais Araçatuba)
Buscas e apreensões
As investigações prosseguiram em janeiro deste ano, tendo como investigada uma empresa, cujo proprietário admitiu em depoimento que emitiu notas fiscais falsas no valor de R$ 694 mil mesmo sem ter prestado serviço, a pedido de seu amigo, então diretor da Santa Casa de Birigui, identificado com as siglas A.C. de O. (C ). O dinheiro foi depositado na conta do empresário, mas repassado para C.
O investigado contou ainda que “as notas eram emitidas a pedido do Dr. C., pessoa que “manda” na Santa Casa, e que o dinheiro era para atender o secretário de Saúde e o presidente da Câmara, na época, G. e V.”, consta na decisão.
Também foi citado no relatório o atual diretor da Santa Casa. “Quando C. C. (T.) assumiu a direção da Santa Casa não foi mais emitida nenhuma nota, e que conversou com esse último sobre as notas, pois não tinha recebido o valor referente ao recolhimento dos tributos, e T. falou que não sabia sobre o assunto. Disse que sabe que é mentira, pois T. e C. dividiam a mesma sala.”
Houve uma negociação para parcelamento dos tributos, no entanto, mesmo sem receber todo o valor, o empresário assinou um recibo de quitação e ainda um contrato referente às notas frias emitidas com data retroativa.
Após o depoimento do empresário, a polícia expediu mandados de busca e apreensão para os nomes citados por ele.
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Na casa do ex-diretor da Santa Casa A. C. de O. (C.), entre documentos rasgados, foi encontrada uma folha de caderno com nomes, abreviações e valores.
Divisão
“Em suas declarações, colhidas na mesma data, A. C. de O. (C.), confirma o relato de A. B. (empresário), ressalvando que T. deu ordem para arrumar notas frias para a obra que se realizava na Santa Casa com dinheiro de doações. Disse que já conhecia B. (empresário) e propôs a ele a emissão das notas e o pagamento dos valores com os tributos pela emissão das respectivas notas, além de um ganho para ele entre 8% e 12%, por cada nota emitida. Disse que nunca falou para o B. que G. e V. também eram os destinatários, pois desconhecia esse fato. Disse que sua missão era pegar o dinheiro com B. e entregar nas mãos de T., quem dava o destino aos recursos desviados, mês a mês”.
Entretanto, consta nos autos que em vista do achado da folha de caderno com nomes, valores e abreviações, na data de 19/02/2020 A. C. de O. (C.) compareceu novamente à delegacia e ao ver a folha, ele confessou que se tratava de valores divididos, desviados da Santa Casa de Birigui.
Explicou ainda que omitiu o nome dos beneficiados G. e V., “pois estava com medo”, mas que falaria toda a verdade. Disse que T., quando pedia a nota, dizia o valor e explicava quem seriam os destinatários. “Esclareceu que “RB” é o deputado estadual R. B. (Roque Barbieri); “SM” é o prefeito S. (Salmeirão); “Ass M.” é o assessor do deputado federal M.; “Pf P.” é o prefeito de Penápolis C. de O. (Célio de Oliveira), que na época estava sofrendo processo de cassação.
Verossimilhança
Para o desembargador, as declarações do empresário e do ex-diretor da Santa Casa “dão conta do esquema ilícito engendrado para os desvios de verbas públicas de saúde, através da emissão de notas fiscais frias, na tentativa de ocultá-los ou dissimulá-los, o que está confirmado pelos muitos documentos e outros elementos de convicção nos autos”.
Cita ainda que anotações com os mesmos códigos, aparentemente se referindo às mesmas pessoas, haviam sido encontradas com outro investigado, o que fortalece os indícios da existência de esquema de desvio de verbas públicas, cujos valores eram repassados a prefeitos e deputado estadual.
Outro lado
O prefeito Cristiano Salmeirão disse que recebeu com surpresa a informação da citação de meu nome neste inquérito.
"Não fui notificado e não tenho qualquer tipo de impedimento em dizer que sou a parte mais interessada em ter os fatos apurados. Como gestor, tenho a responsabilidade em desejar isso. Confio na Justiça e na apuração isenta dos fatos. Aguardo a apuração e coloco-me à disposição das autoridades naquilo que poder ajudar", disse à reportagem.
Salmeirão disse ainda que a polícia esteve na Prefeitura durante as operações desta terça-feira
(Leia mais em:
Polícia Civil realiza operação em Birigui e Penápolis contra grupo acusado de desviar dinheiro da saúde
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e não levou nenhum documento ou computador da secretaria, porque a administração faz a coisa certa.
Já Célio de Oliveira informou apenas que o processo corre em segredo de Justiça e que os nomes dos prefeitos foram divulgados porque estavam em papéis de anotações.
Também foi tentado contato com o assessor do deputado Roque Barbiere, mas as ligações não foram atendidas.